Ricos como a cerveja tirada à pressão num instante mas a maior parte é só espuma - Mia Couto
Categoria DESTAQUES
PUBLICADO AOS 20 junho 2013
Lisboa
- Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro» dá
emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que
tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é
esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm.
Pior, aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de
roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados
usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de
poderem ser roubados.
Fonte: Mia Couto
"Novos Ricos angolanos": São nacionais só na aparência
porque estão prontos a serem moleques de estrangeiros
porque estão prontos a serem moleques de estrangeiros

Necessitariam
de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam
por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem
social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles
enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.
O
maior sonho dos nossos novos-ricos é, afinal, muito pequenito: um carro
de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode
sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas.
O
Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados
que estão em se esquivar entre chapas muito convexos e estradas muito
côncavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de
riqueza Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos
novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da
cidade e da sociedade.
As
casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do
que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao
exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo
alheias cobiças. O fausto das residências chama grades, vedações
electrificadas e guardas privados. Mas por mais guardas que tenham à
porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos
feitiços que essas invejas convocam.
Coitados
dos novos ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num
instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais
o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez
disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes.
Mas
as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser
sustentados com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a
ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante
de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu
sabe que pode ser traído.
Os
nossos endinheirados-às-pressas não se sentem bem na sua própria pele.
Sonham em ser americanos, sul-africanos. Aspiram ser outros, distantes
da sua origem, da sua condição. E lá estão eles imitando os outros,
assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente
ricos.
Mas
os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o
mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem
comprar o respeito e o afecto dos outros. Esses outros que os vêem
passear-se nos mal-explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles
uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite:
é uma falsificação, uma imitação apressada.
A
luta de libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se
pretendia substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma
outra raça. Não se queria uma simples mudança de turno nos opressores.
Estamos hoje no limiar de uma decisão: quem faremos jogar no combate
pelo desenvolvimento? Serão estes que nos vão representar nesse relvado
chamado “a luta pelo progresso”? Os nossos novos ricos (que nem sabem
explicar a proveniência dos seus dinheiros) já se tomam a si mesmos como
suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do país.
São
nacionais mas só na aparência. Porque estão prontos a serem moleques de
outros, estrangeiros. Desde que lhes agitem com suficientes atractivos
irão vendendo o pouco que nos resta. Alguns dos nossos endinheirados não
se afastam muito dos miúdos que pedem para guardar carros.
Os
novos candidatos a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A
comunidade doadora pode irás compras ou almoçar à vontade que eles ficam
a tomar conta da nação. Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem
somos. Parecem criancas que entraram numa loja de rebuçados.
Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.
Servem-se
do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a
sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua
atitude elitista para com a pobreza. Como eu sonhava que Moçambique
tivesse ricos de riqueza verdadeira e de proveniência limpa! Ricos que
gostassem do seu povo e defendessem o seu país. Ricos que criassem
riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a economia. Que
respeitassem as regras do jogo. Numa palavra, ricos que nos
enriquecessem. Os índios norte-americanos que sobreviveram ao massacre
da colonização operaram uma espécie de suicídio póstumo: entregaram-se à
bebida até dissolverem a dignidade dos seus antepassados. No nosso
caso, o dinheiro pode ser essa fatal bebida.
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